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Um tributo a Gerard Ducarouge PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Monday, 23 March 2015 20:04

Poucos na Formula 1 – e no automobilismo em geral – têm um impacto tão grande como foi Gerard Ducarouge. Falecido no passado dia 19 de fevereiro, aos 72 anos, a passagem deste projetista por equipes como Matra, Ligier, Alfa Romeo, Lotus e Larrousse, desde os finais dos anos 60 até meados dos anos 90 do século passado deu-nos projetos como o Ligier JS5, o Alfa Romeo 183, quase todos os Lotus Turbo e o projeto Renault Espace, onde converteu um carro comum num “foguete”, graças à adição de um motor V10 da Renault!

 

Nascido a 23 de outubro de 1941 no distrito de Saône-en-Loire, no centro-leste de França, começou a sua carreira a desenhar mísseis na industria aeroespacial. Mas numa entrevista dada a Jean-Paul Orjebin, em 2012, ele confessou que era uma pessoa de exteriores, onde pudesse viajar e conhecer lugares diferentes com frequência, daí ter rapidamente aborrecido com o ambiente na fábrica. Após ver um anuncio no jornal, concorreu para um cargo na Matra, onde foi aceite.

 

Apesar de alguma fama, o seu trabalho concentrou-se no departamento da Endurance, sem qualquer contacto com a equipa que fazia os chassis para a Formula 3, Formula 2 e eventualmente, a Formula 1. Assim sendo, a paternidade que alguns órgãos de comunicação social deram ao Matra MS80, o carro eu deu a Jackie Stewart o seu primeiro título mundial, em 1969, não corresponde à verdade. Ele era mais pessoa de desenhar chassis como os 640, os 650 e os 670, que deram títulos em Le Mans entre 1972 e 1974. Aliás, ele mesmo admite que os contactos entre as equipas de Endurance e da Formula 1 não eram muitos.

 

Acima, a vitória em Le Mans com o Matra-Simca. abaixo, o carro restaurado e um encontro com Henry Pescarolo.

 

Ducarouge sempre elogiou Jean-Luc Lagardére, o patrão da marca, durante esses anos, pelo incentivo que dava aos seus projetistas e engenheiros para alcançar os seus objetivos. E falou que o seu maior desafio foi o de converter os modelos 650 e 670 para o Tour de France Auto, onde de carros feitos para a pista, se transforavam em carros de estrada com as suas modificações na suspensão e nos pneus, para poderem aguentar os buracos na estrada, como se fossem carros de ralis. Como resultado disso, eles foram os vencedores em 1970 e 1971, com carros guiados por Patrick Depailler, Gerard Larrousse e Jean-Pierre Beltoise, e navegados por Johnny Rives, um famoso jornalista francês, e por… Jean Todt.

 

Ducarouge sempre elogiou os pilotos com quem trabalhou e os patrões. De Guy LIgier guardava carinho, apesar da sua personalidade algo colérica, e contou que sempre detestou o JS5, o primeiro chassis da marca na Formula 1. Especialmente a sua enorme entrada de ar, que o batizou de “barrete frigio”, lembrando o chapéu usado na Revolução Francesa. Trabalhou com ele entre 1975 e 1981, saindo quando a equipa estava no auge.

 

Na Ligier, um super carro em 1979 que poderia ter conquistado o título. (foto:The Cahier archive)

 

Da Alfa Romeo, onde trabalhou de 1981 e 1983, guarda sempre a ideia de que Carlo Chiti nunca gostou dele e fez de tudo para o correr de lá, especialmente depois de ele ter imposto algumas regras dentro do atelier da Autodelta, que irritou o engenheiro italiano. E ele falou que muitas das informações que ia para na imprensa especializada eram obra do próprio Chiti, com o objetivo de o denegrir aos olhos dos italianos. Quando descobriu a marosca, foi ter com o diretor de uma dessas revistas, a “Rombo”, e convenceu-o a dar a volta. E até ao fim dos seus dias, ficou convencido que o incidente do extintor no carro de Andrea de Cesaris, nos treinos do GP de França de 1983, e que rendeu o seu despedimento, foi uma armadilha montada por Chiti para o colocar fora dali.

 

Da Lotus, Ducarouge revelou que Colin Chapman o tentou contratar após a sua saída da Ligier, mas ele recusou. Quando voltou de novo, a convite de Peter Warr, na primavera de 1983, encarou como se fosse uma missão e pediu aos seus trabalhadores se poderiam fazer um carro novo no menor tempo possível. O nascimento do chassis 94T durou um mês inteiro, com todos a trabalhar por turnos, de foco quase esclavagista, mas todos com um sentido de missão, para provar que tinham vida após o desaparecimento de Colin Chapman, seis meses antes. No final, o carro ficou pronto a tempo do GP da Grã-Bretanha, em Silverstone, e Nigel Mansell conseguiu levar o seu carro do 21º lugar da grelha até ao quarto posto final… e segundo o projetista, sem ele poder ter dado qualquer volta antes daquele fim de semana! Sem dúvida, um feito pouco conhecido do “brutânico”.

 

Na Alfa Romeo, tornou o carro competitivo. (Foto: Pure People) 

 

Ducarouge guardava um enorme carinho por Ayrton Senna, de tal forma que sempre sentiu o desgosto de não lhe poder ter dado um carro campeão para ele. E mesmo nos seus últimos tempos de vida, falar sobre ele causava dor no coração, pela intimidade e empatia que ambos tiveram. Em claro contraste, em 1988, quando trabalhou com Nelson Piquet, sentiu que ele era hostil a tudo que Senna tinha tocado, chegando ao ponto de ele pedir a Ducarouge para que tirasse um quadro dele no seu gabinete!

 

Uma das coisas mais fantásticas da sua careira contou anos depois, quando a Ferrari o quis contratar, ainda quando trabalhava na Lotus. Os detalhes são dignos de um filme de James Bond, com aeródromos discretos, salas escuras em Maranello e Enzo Ferrari com post-it nos dedos a dizer “piccolo, piccolo”, com números que Ducarouge considerou “absurdos” e do qual se sentiu altamente intimidado. Quando lhe disse que não iria trabalhar para ele sem Senna, Enzo Ferrari disse simplesmente “então, vamos contratá-lo também. Os meus advogados falam com os vossos”. Apesar do assédio, ele resistiu à mudança.

 

Com Ayrton Senna, na Lotus, uma perfeita sintonia.

 

Em suma, Ducarouge reconhecia que tinha tido uma grande vida, vivida como quis. Apesar de não ter ficado com muitas recordações, os chassis que desenhou são o seu melhor legado. E os resultados que esses carros tiveram ao longo dos vinte anos que passou na categoria máxima do automobilismo, bem como o tempo que passou na Endurance, mostra que ele marcou a imaginação de uma geração de forma mais forte do que ele pensava. Afinal de contas, quantos é que podem dizer que tiveram três vitórias nas 24 Horas de Le Mans e mais de uma dezena de vitórias na Formula 1 no seu palmarés?  

 

Saudações D’além mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira


Last Updated ( Monday, 23 March 2015 20:59 )