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Entrevista: Renato Martins PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Wednesday, 27 August 2014 19:30

A Fórmula Truck chega – em seu formato atual – a “maioridade”. Uma categoria que cresceu ano a ano desde 1996, quando disputou-se o primeiro campeonato e que se tornou a mais popular do país é marcada por grandes estórias e grandes personagens, que ao longo de sua existência escreveram seus nomes no livro do automobilismo brasileiro, mesmo sem antes nunca terem sido pilotos ou estarem envolvidos com o automobilismo de competição.

 

Um destes personagens, e que está na categoria desde o seu início, é o hoje chefe da equipe RM Volkswagen, Renato Martins. Este “paulistano da gema”, como ele mesmo afirma-se com muito orgulho, pai de 6 filhos, frutos de 2 casamentos (está casado com a Débora Rodrigues há 15 anos) começou a vida muito longe das pistas.

 

Sua origem humilde o levou a começar a trabalhar muito cedo, começando como ‘Office Boy’ em um escritório no centro da capital paulista. Passando por outros empregos, foi frentista de posto e taxista. Como praticamente todos os pilotos do início da categoria, foi caminhoneiro e por muito tempo – 16 anos – cortou as estradas do Brasil de norte a sul, leste a oeste.

 

 

Com trabalho e dedicação, foi progredindo na vida e montou uma casa de venda de peças para caminhões em São Paulo. Quando surgiu a possibilidade da entrada na categoria, com o início da mesma, conseguiu realizar um sonho que era ser piloto de corridas. Acelere quase 5 toneladas que o bagulho é louco (bordão do Renato) nessa entrevista que o site dos Nobres do Grid traz com o maior vencedor e chefe da maior das equipes da categoria.

 

NdG: Renato, o mundo do automobilismo é tido como um meio para privilegiados, ao menos no caso dos pilotos. Você é de uma geração onde o esporte a motor de um modo geral exerceu um fascínio maior do que exerce hoje. A Truck foi como você chegou às pistas, mas há algum tempo você goza de uma boa condição financeira. Não deu vontade de correr de outra coisa?

 

Renato Martins: O meu sonho na juventude era ser piloto de motocicleta! Só que na época eu não tinha a menor condição de pensar nisso. Hoje eu tenho moto, ando de moto, ando menos do que gostaria porque é algo perigoso. Foi através da Fórmula Truck que eu consegui chegar a este meio das corridas e foi graças à Fórmula Truck que minha vida deu uma grande virada onde pude conhecer muitas pessoas, abrir muitas portas e chegar onde cheguei.

 

NdG: Como foi que você viu o começo de tudo, desde a primeira temporada em 1996, quando as corridas eram com cavalos mecânicos pintados? Afinal, hoje, são caminhões de corrida.

 

Renato Martins: Realmente, as coisas mudaram muito. Na verdade, eu estive até nas apresentações da categoria, em 1995. Foram quatro “apresentações”, corridas que não eram consideradas competição e eu venci uma delas. Em 1994, em Interlagos, foi feita uma verdadeira apresentação onde demos umas voltas, mas não houve corrida. Foi um lançamento para a imprensa. No ano seguinte, a primeira das quatro “corridas de apresentação” aconteceu em Cascavel... e eu cheguei em último lugar. A segunda foi em Londrina... e eu venci quase dando uma volta no 2º colocado! Era algo muito irregular, muito amadora. Depois corremos em Tarumã, no Rio Grande do Sul, e por fim em Goiânia. Em 1996, no primeiro campeonato, sagrei-me campeão. Isso aqui, este ambiente tomou conta de mim e aqui estou até hoje.

 

NdG: Todo começo é difícil, seja em que seguimento da vida for. Como foi enfrentar estas dificuldades de abrir uma nova fronteira, de mostrar algo diferente para o esporte a motor no país?

 

No início foi tudo muito difícil. Só depois da quarta apresentação que conseguimos homologar a categoria.

 

Renato Martins: Não foi fácil mesmo. Muita gente torcia o nariz para essa coisa de corrida de caminhão e mesmo a gente que começou tinha um certo receio de como as pessoas veriam tudo aquilo e quando chegamos em Cascavel e vimos o autódromo lotar foi algo muito gratificante. Teve uma corrida, a de Tarumã, que eu quebrei e fiquei de fora e aí eu pude assistir a corrida e tentei ver aquilo com os olhos do público que foi lá, que também lotou o autódromo, e o que vi foi emocionante. Mas tinha o pessoal que achava aquilo tudo um absurdo e não faltaram críticas, acusações de que os caminhões iriam destruir os autódromos e tivemos que ir a justiça para caçar liminares que queriam impedir que até mesmo entrássemos na pista. Foi somente na última apresentação, em Goiânia, que o então presidente da CBA, Reginaldo Bufaiçal, foi até lá e viu o que era a corrida de caminhões. Ele disse que achava que era uma corrida com os caminhões puxando suas carretas e quando viu a nossa apresentação disse que homologaria a categoria, como o fez, para que pudéssemos disputar o campeonato de 1996.

 

NdG: Ao longo destas quase duas décadas, você se destacou como um líder dentro da categoria e o Aurélio [Batista Felix], criador da categoria, também tinha este espírito de liderança. Como era a convivência “dentro desta boleia” entre vocês dois?

 

Renato Martins: Gostei da “boleia” (risos). Olha, não foi fácil. Eu e o Aurélio brigamos muito. As vezes juntos, as vezes um contra o outro, mas ao nosso ponto de vista, a gente estava querendo o bem da categoria. Não foram poucas as vezes que quem estava por perto vendo viu a hora de chegarmos a agressão física... que nunca aconteceu. Mas eu posso te garantir uma coisa: o Aurélio faz muita falta aqui no nosso meio. El era um criador, um inovador. A cada corrida tinha uma novidade, era algo que surpreendia a gente. Apesar de todas as brigas que tivemos, na época em que ele teve o problema de saúde que o levou, nós estávamos vivendo uma fase muito boa, muito tranquila.

 

NdG: A morte do Aurélio foi precoce. Era algo que nós não esperávamos, foi de uma hora para outra. Como foi que você e os outros pioneiros da categoria viram este novo desafio? Como foi ver gente ficar “na torcida” para que a categoria afundasse?

 

Renato Martins: O Aurélio era uma pessoa de pouco estudo, de escola, mas tinha uma visão do negócio espetacular. Ele não deixava as coisas para a última hora, ele tinha planejamento e deixou diversos contratos assinados para os anos seguintes e a categoria como um todo era muito organizada, sempre trabalhou “no azul”. Quando a Neusa assumiu a categoria, ela já fazia uma parte administrativa e a equipe de trabalho permaneceu. Logicamente que teve gente que ficou preocupada com o futuro da categoria. Ela, inclusive, teve oferta para vender a categoria, gente aproveitando o momento, vendo-o como um momento de fragilidade, mas ela não o fez. A categoria continuou grande e cresceu mais ainda.

 

NdG: Como é esta relação de ser dono de equipe, de ter sido dono e piloto, de ser “patrão da patroa”, tudo junto e misturado?

 

Eu e o Aurélio sempre tivemos uma relação de admiração e respeito, mas era justamente por isso que discutíamos tanto.

 

Renato Martins: Desde o início, a equipe sempre foi minha. Eu peguei um caminhão meu, preparei, investi, corri atrás de patrocínio para estampar no caminhão e pagar as despesas e fui fazendo, sempre andando entre os primeiros e acho que foi em 2000 ou 2001 que fechei contrato com a Volkswagen. Eu tive a oportunidade de conversar com o [Carlos] Signorelli, então Diretor de Marketing da empresa e eu falei que queria ter uma montadora como parceira do projeto da minha equipe em uma feira na cidade de Aparecida do Norte, interior de São Paulo, e eles estavam entrando na categoria naquela época, mas os caminhões eram muito fracos. Eu disse que não garantia um título, mas que iríamos ganhar corridas logo, que o título viria em algum tempo. No primeiro ano eu já consegui vencer umas três ou quatro corridas e aquilo motivou muito tanto a fábrica quanto a equipe. A engenharia da montadora passou a fazer parte da equipe, hoje temos o Rodrigo Chaves cuidando dos nossos motores diretamente e a aposta da montadora fazendo da Fórmula Truck uma vitrine para seus produtos. É uma parceria que vem dando certo há vários anos e que eu espero que continue dando certo ainda por muitos anos.

 

NdG: Você tem a maior equipe da categoria em termos de estrutura, com 5 caminhões. Como foi que você administrou este crescimento de estrutura e como é lidar com este verdadeiro exército?

 

Renato Martins: Quando a equipe com apoio da Volkswagen começou, nós tínhamos dois caminhões. Depois introduzimos o terceiro. Quando a categoria decidiu fazer também o “campeonato de marcas”, onde os três melhores caminhões de uma determinada marca marcavam pontos, eu vi que seria bom que tivéssemos mais caminhões da marca na pista para poder sempre tentar pontuar o melhor possível com o maior número de caminhões. Daí fomos para este formato que temos hoje e que permite que tenhamos sempre, ou quase sempre, três caminhões pontuando em boas posições. E não só isso, precisávamos ter um time forte e hoje temos cinco pilotos com condições de brigar no pelotão da frente como já vimos em muitas ocasiões. Administrar os cinco caminhões eu não acho difícil. O difícil é administrar os cinco pilotos (risos), mas tem dado certo.

 

NdG: A categoria veio num crescente desde seu nascimento e mesmo depois da perda do Aurélio, ela continuou crescendo. Há alguns anos se fala em “internacionalização” da categoria. Um passo já foi dado, com a prova na Argentina e sabemos que há planos para se ir mais longe. Como você vê isso?

 

Renato Martins: Alguns anos atrás eu estive na França e andei em um caminhão da Fórmula Truck Européia. É bem diferente o que eles tem lá em comparando com o que temos aqui. Em termos de regulamento, em termos de equipamento. Há alguns anos anda se falando em se fazer um campeonato mundial. Eu acho que é inviável. As distâncias são enormes, o transporte seria complicado e caro. Não acho que teríamos como bancar esta conta. Quem deu uma boa ideia sobre isso foi o Felipe [Giaffone] quando sugeriu que os pilotos viajassem. Viriam quatro uu cinco pilotos, os mais bem colocados do campeonato de lá para correr algumas etapas aqui, com nossos caminhões, e iriam quatro ou cinco pilotos daqui correr etapas lá, com os caminhões de lá. Houve também comentários aqui dentro de possibilidades de corridas na África do Sul, no México e nos Estados Unidos, mas eu acho que é difícil que consigamos fazer isso devido ao custo do transporte. Não impossível, mas difícil.

 

NdG: Esta ideia dos pilotos é bem interessante...

 

A internacionalização da categoria seria algo muito bom. O problema é o custo para fazer as viagens. Eu acho inviável.

 

Renato Martins: Também acho! O Felipe [Giaffone] fez várias viagens pra lá e esta ideia pode vir a dar fruto no futuro. Eu penso que seria uma oportunidade excelente para nossos pilotos em termos de experiência e crescimento.

 

NdG: E o que você achou do caminhão deles? Do regulamento?

 

Renato Martins: São diferentes. Quando fui lá pela primeira vez, eles estavam bem mais adiantados do que nós em termos de eletrônica nos caminhões. Hoje, pelo que tenho notícia, nós estamos na frente. Os caminhões deles tem uma limitação, só atingindo os 160 Km/h, os nossos tem que cumprir esta velocidade no radar, mas fora do radar chegamos a atingir 220/230 Km/h. Os caminhões deles são mais pesados e eles tem uma coisa fantástica que são pneus de corrida. Nós usamos pneus iguais aos que andam nas estradas e todo mundo sabe que pneu é algo que faz uma diferença enorme no comportamento de um carro de corrida. Com caminhões não é diferente. Não estou reclamando dos nossos pneus, é uma questão também de custo, que permite a categoria ficar mais acessível aqui, mas neste aspecto, eles tem uma coisa melhor para a competição.

 

NdG: A Fórmula Truck, em seu início era uma categoria praticamente inteira onde os pilotos não haviam passado por um “processo de formação” como pilotos. Eram caminhoneiros que foram correr de caminhão. Com o tempo isto foi mudando e hoje temos pilotos de categoria internacional disputando o campeonato e tivemos por algum tempo até um ex-piloto de F1. Como foi viver esta mudança dentro do perfil da categoria?

 

Renato Martins: Quando disputamos o primeiro campeonato, em 1996, éramos todos caminhoneiros. Eu corri o ano todo sem carteirinha de piloto. Só vim receber no final do ano, com o título na mão (risos). No começo não tinha nada de regra para se correr aqui. Com o tempo este perfil foi mudando, mas vou dizer uma coisa: correr de caminhão é diferente. Não é pior nem melhor, é diferente. Veja o caso do Roberval Andrade. Nunca tinha corrido de nada antes e foi campeão correndo contra pilotos que correram fora do país como o [Danilo] Dirani e o Felipe [Giaffone]. Hoje a maioria dos pilotos foram pilotos que correram em alguma categoria, tiveram alguma experiência de pista antes de vir pra cá e, de algum tempo para cá, não lembro o ano que estabeleceram isso, o piloto para correr na Fórmula Truck tem que ter a carteira de “Classe A”. ou seja, vai ter que ter corrido durante algum tempo em alguma categoria.

 

NdG: Esta mudança no perfil dos pilotos certamente provocou uma elevação do nível técnico de uma forma geral. Quem já estava teve que melhorar para andar mais rápido. Contudo, junto com isso veio uma bagagem de conhecimento técnico e interesse maior. Além disso, veio um “tipo diferente de pessoa” que é o piloto de corrida. Nisso voltamos a uma das perguntas anteriores: como é “administrar piloto”?

 

Nossos autódromo estão precisando de melhorias. Alguns deles, reformas grandes para a segurança dos pilotos.

 

Renato Martins: A realidade mudou completamente em duas décadas. Antes nós éramos uma coisa muito mais próxima do meio que é a vida do caminhoneiro de estrada, hoje está tudo completamente diferente. Nos dias de hoje vivemos um ambiente de competição como qualquer categoria que vai ao autódromo. Hoje é um caminhão de corrida. E o piloto é um piloto de corrida. Antigamente éramos caminhoneiros e eu já fiz como experiência,treinando com o autódromo fechado para a equipe, de fazer testes com caminhoneiros da equipe que achavam que andariam bem e eles foram pra pista e nãoconseguiram andar porque o profissional da estrada tem uma formação e uma consciência “anti-acidente” enquanto o piloto tem uma que é “superar o limite”. Nessa superação ele quer tudo. Ele quer o máximo do caminhão, o máximo do motor e, no nosso caso, o mínimo da fumaça. Ele está sempre cobrando, dele e da equipe. É um desafio a mais para nós e uma experiência de vida muito interessante.

 

NdG: Quem está no meio do automobilismo, independente do tamanho, do peso e da velocidade com o que se anda, tem em mente também a questão da segurança. Não a visão do seu caminhoneiro, mas na visão do esporte de competição. Recentemente o Ingo Hoffmann falou que não via a categoria como algo natural, que corrida de caminhões era algo “estranho” para ele. Você o convidaria para andar aqui, só pra sentir o que é o caminhão de corrida?

 

Renato Martins: Eu sou um grande fã do Ingo Hoffmann. Para mim ele é um dos melhores pilotos da história do Brasil e sua trajetória no automobilismo internacional poderia ter sido muito maior. Ele já andou conosco alguns anos atrás e disse que gostou. Sentiu uma certa dificuldade com o freio, mas andou bem, deu várias voltas, fez bons tempos para quem nunca havia andado num caminhão e eu cheguei a convidá-lo para correr conosco. Ele agradeceu e falou que tinha decidido parar mesmo e dedicar-se mais ao seu instituto, que faz um trabalho maravilhoso, e a outros projetos pessoais. Para mim ele é um exemplo, uma personalidade.

 

NdG: Em uma coluna do site, o colunista fez um cálculo sobre força e impacto e chegou a um valor assustador: a força do impacto do caminhão do Diumar Bueno foi oito vezes mais forte do que o da colisão de Ayrton Senna contra o muro em Ímola. Isso nos leva a perguntar: um autódromo, do jeito que é construído, é seguro para corridas de caminhão?

 

No início nós corríamos com caminhões. Hoje temos caminhões de corrida. A categoria mudou e o perfil dos pilotos também. 

 

Renato Martins: Alguns autódromos brasileiros não são seguros para corrida alguma. Teriamque ter reforços nos seus guard rails, muros, aumento das áreas de escape. Quando o Diumar [Bueno] bateu naquele muro de Guaporé, parecia que tinha batido num muro de isopor. É um autódromo lindo, com um traçado desafiador e maravilhoso, mas se a gente for lá e chutar o muro do Box, é capaz de cair tijolo. O autódromo precisa ser modernizado. O automobilismo se modernizou e todo autódromo precisa acompanhar este processo. O autódromo que eu mais venci corridas foi Londrina... e eu considero-o super perigoso. Eu já fui parar no meio da rua. Foram 9 vitórias lá, mas o autódromo que eu mais gosto é Goiânia, que você sai da pista e não bate em nada. Quemviu a última corrida da Stock Car viu isso.

 

NdG: Você tem seis filhos. Nenhum deles mostrou interesse em se tornar piloto?

 

Renato Martins: Até houve interesse de alguns, mas eu nunca incentivei. Sempre falei para eles que a vida de piloto é muito difícil e o Renatinho é quem mais fala nisso e eu falo pra eles estudarem, fazerem uma faculdade, fazer uma boa carreira profissional. Automobilismo nos dias de hoje, se você não tem patrocínio, você não consegue fazer uma carreira na pista e conquistar patrocínio esta cada vez mais difícil e o segundo ano é ainda mais difícil que o primeiro, porque se você não expõe a marca do seu patrocinador, como vai conquistar outros ou manter aquele? E visibilidade é algo que depende de outros fatores. Um exemplo nós temos aqui na equipe. O Felipe [Giaffone] já conquistou alguns campeonatos, anda sempre entre os primeiros, mas a Débora [Rodrigues] nos dá mais retorno de mídia do que ele. Ou seja, nem sempre é algo esportivamente justo. Você pode ser muito bom e nunca ter uma boa oportunidade na vida. A história do automobilismo está cheia de exemplos assim.

 

NdG: Tem alguma coisa nestes anos todos, de estrada e de pista, que você, se pudesse voltar atrás e mudar, você mudaria?

 

Renato Martins: Tem. Eu mudaria meus dentes! Gargalhadas.

 

Last Updated ( Wednesday, 27 August 2014 19:55 )