Especiais

Classificados

Administração

Patrocinadores

 Visitem os Patrocinadores
dos Nobres do Grid
Seja um Patrocinador
dos Nobres do Grid
Se a fonte não secou, porque estamos vendo o fundo do poço? PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Monday, 23 June 2014 22:29

Oi pessoal!

 

Nesta coluna eu vou tratar de um assunto polêmico, que tem provocado muitas discussões entre os amantes de corridas: “Por que escassearam tanto os talentos brasileiros em condições de chegar nas categorias máximas do automobilismo?” Talvez você mesmo que me lê já tenha se feito a mesma pergunta e tenha as suas próprias teorias.

 

A princípio, farei um contraponto ao meu querido e saudoso amigo Dionísio Pastore, em sua coluna “A fonte não secou!” (assim mesmo, com ponto de exclamação). Para quem ainda não leu, recomendo que leia para entender nossas posições divergentes... Meu objetivo aqui não é me colocar como o dono da verdade, mas imaginem que estamos reunidos em volta de uma mesa, comendo uns petiscos, acabamos de ouvir o “titio” Dionisio e agora eu também vou colocar o meu ponto de vista.

 

Resumindo a opinião dele: A fonte não secou, pelo contrário, temos muitos pilotos com 15 anos de idade e 10 de pista com condições de ir direto pra Fórmula 3. O que falta é planejamento para as suas carreiras, pois a fórmula inventada pelo Emerson Fittipaldi e seguida à risca pelo Piquet, Senna e outros pilotos que vieram em seguida não funciona mais. A solução seria então um bom planejamento de carreira com patrocinadores generosos, dispostos a investir nestes meninos até as categorias top.

 

 Em 1969, Emerson Fittipaldi foi campeão inglês de F3, depois de correr alguns anos aqui no Brasil. 

 

Bem, vamos lá: Será que falta aos nossos pilotos condição financeira para competir nas melhores equipes das categorias de base do automobilismo mundial? Se vocês têm esta dúvida, recomendo que visitem o estacionamento do Kartódromo Granja Viana ou o estacionamento do Kartódromo Aldeia da Serra em um dia de competições e vejam com os seus próprios olhos... É um desfile de supercarros de fazer inveja ao São do Automóvel realizado no Anhembi!

 

O kart é um esporte de elite, assim como o golfe, o tênis e o hipismo. Com raras exceções, é praticado por gente de família rica e influente. Nos últimos anos, diversos pilotos nossos competiram nas principais equipes da GP2, World Series by Renault, F3 Européia, GP3 e F-Renault Européia. Isto é fato e pode ser pesquisado por qualquer um.

 

Nelson Piquet, depois de correr alguns anos no Brasil, dominou a F3, foi campeão inglês e chegou à F1.

  

Se não está faltando dinheiro, o que está faltando então? Braço? Será que as últimas gerações não são tão talentosas como as anteriores? Responder sim a esta questão seria, no mínimo, simplista. Eu tenho visto excelentes pilotos da nova geração na pista e posso citar vários de cabeça: Gaetano Di Mauro, Guilherme Salas, Victor Batista, Olin Galli... Em questão de velocidade, todos eles seriam pilotos de ponta em qualquer época do nosso kart. 

 

Ouço muita gente dizer que a culpa é da CBA, por matar o automobilismo de base no Brasil. Realmente, a F-Ford, a F-Chevrolet, a F-Renault e por último a F-Futuro foram extintas, e não temos nenhuma categoria escola no Brasil. Porém, a grande maioria dos nossos pilotos que fizeram sucesso no exterior, começou competindo lá fora, e não aqui! Por isso, ainda que a CBA tenha prestado um grande desserviço aos kartistas que desejam migrar para os carros de corrida, ela não é a culpada pela escassez.

 

 Felipe Fraga, de multicampeão nos anos de kart é a estrela ascendente da Stock Car. 

 

Se não falta dinheiro nem braço, e se as portas das principais equipes do automobilismo mundial estão abertas aos nossos pilotos, por que eles não estão chegando lá? Ou fazendo uma analogia, se a fonte não secou, por que não estamos bebendo água? Por que estamos morrendo de sede? Vocês percebem que a resposta não é tão simples? Para mim, na verdade, não é apenas um fator isolado, mas uma soma de fatores que está provocando esta escassez de talentos brasileiros chegando à elite do automobilismo mundial, então vou tentar numerá-los.

 

Gaetano Di Mauro está começando seu caminho na Europa, diaputando a F4 na Inglaterra.

 

Pra mim, existem quatro razões fundamentais pelas quais não estamos bebendo água da fonte:

1) Formação ineficaz dos nossos kartistas: Apesar dos anos e anos de formação dos nossos pilotos de kart, que permitem que um adolescente de 15 anos já tenha muitas vezes quase 10 anos de pista, o fato é que poucos de nossos kartistas graduados dominam aqueles fundamentos principais que podem fazê-los ser bem-sucedidos no automobilismo: Saber acertar um carro, saber ultrapassar e saber correr estrategicamente.

 

É triste assistir a um piloto graduado que não sabe ao menos carburar o seu motor, que não consegue fazer uma ultrapassagem que não seja jogando o seu adversário pra fora da pista, que não saiba a hora de atacar e de se defender... Mas isto é o que mais se vê nas nossas pistas. Temos sim muitos pilotos rápidos e habilidosos, mas esta é uma condição sine qua non de todos os pilotos de ponta que disputam as categorias de acesso do automobilismo mundial. Ser rápido e habilidoso não é o suficiente, pois lá fora todos são. A pergunta que devemos fazer neste ponto é: "Por que nossos pilotos apresentam esta deficiência?" Vou responder logo abaixo.

 

 Guilherme Salas ainda está no kart, mas com os olhos voltados para a o profissionalismo.

 

2) Superdependência dos coaches: O coaching é uma atividade que é cada vez mais presente não somente no automobilismo, mas em todas as áreas da vida corporativa. Considero algo extremamente positivo e saudável, QUANDO FEITO DA FORMA CORRETA. O coach deveria ser um mentor, alguém que ajudasse o seu discípulo com sua experiência de vida, conhecimentos técnicos e também seu networking. Conheço muitos que fazem um excelente trabalho, e o titio Dionisio também já tratou deste tema aqui anteriormente. Porém, o que acontece na grande maioria dos casos é uma terceirização de responsabilidade do piloto para o coach: Este se torna o responsável por pensar no acerto do kart, na estratégia de corrida etc, enquanto o piloto torna-se quase um acéfalo nestas áreas, acostumando-se apenas a executar aquilo que lhe dizem. Vejo muitos coaches que mais parecem babás de meninos mimados... Os pais de pilotos deveriam pensar menos em resultados em curto prazo e mais na formação eficaz de seus filhos, que lhes permitisse estar mais preparados para o prosseguimento de suas carreiras.

 

3) Baixo aproveitamento da categoria KZ (Shifter): Como expliquei na minha coluna anterior, o kart shifter é extremamente rápido, exigente fisicamente e tem duas coisas importantíssimas para ajudar um piloto em sua transição do kart para o automobilismo: Câmbio e freios dianteiros. A pilotagem de um shifter exige um bom uso de freio motor, trocas de marcha e equilíbrio na frenagem. Exige precisão e agressividade. Exige um bom acerto de chassis, para que os pneus não acabem antes da metade da corrida... Além disso, as largadas são paradas, o que demanda de seus pilotos reflexos rápidos e sensibilidade no uso da embreagem. Apesar de serem caros, os shifter são infinitamente mais baratos que qualquer categoria escola do automobilismo. No entanto, nossos grids são escassos. A molecada prefere sair direto dos karts 125cc sem câmbio para os F3 Brasil ou para um F4 europeu do que fazer uma ou duas temporadas bem feitas de shifter. Enquanto isso, os melhores kartistas da Europa fazem diversas temporadas na KZ. Seu aprendizado é tão grande que vemos casos como o de Max Verstappen, que saltou dos KZ diretamente para a F3 Européia e já está ganhando corridas, mesmo andando numa equipe inferior às dominantes Prema e Carlin. Não é à toa também que as sensações do Campeonato Brasileiro de Turismo e da Stock Car, respectivamente Guilherme Salas e Felipe Fraga, tenham sido excelentes pilotos de shifter.

 

 Max Verstapem é um exemplo de um piloto que anda de Shiffter e que é apontado como um futuro campeão da F1.

 

4) Falta de paixão pelo automobilismo: Talvez aqui vocês possam pensar que eu estou passando do ponto... Como afirmar que falta aos nossos jovens pilotos paixão pelo automobilismo? Pois é isso mesmo que eu afirmo! Leia a autobiografia de Emerson Fittipaldi, "A Arte de Pilotar", quando ele narra a experiência de sua primeira corrida na F-Ford inglesa: ele teve uma quebra de câmbio logo que foi para o primeiro treino, colocou o carro de sozinho na sua carreta, dirigiu de volta para a oficina de seu mecânico, onde trabalhava, desmontou o carro junto com ele, trocou as engrenagens de câmbio e voltou pra pista para correr no outro dia. Você consegue imaginar um de nossos pilotinhos playboys fazendo isso? Consegue imaginá-los dirigindo o seu próprio ônibus pela Europa, levando seus carros para as pistas? Não, claro que não!

 

Alguém poderia levantar o argumento de que os pilotos europeus também não fazem isso... Mas a molecada lá de fora aprende desde cedo a colocar a mão na massa (até porque a mão-de-obra é caríssima), a desenvolver equipamento e a pensar estrategicamente. Os coaches europeus ensinam a pescar, ao invés de ficar o tempo todo dando o peixe na boca de seus discípulos. O funil é mais estreito, a briga é mais acirrada e a lógica é darwiniana: Somente os melhores ou os mais adaptados sobrevivem.

 

Estamos vendo o fundo do poço, mas para onde terá ido a água?

 

Vou encerrando meus argumentos por aqui... E você? Concorda comigo? Ou tem outras explicações pra nossa seca de talentos nas principais categorias do automobilismo mundial?

 

Abraços,

 

Rodrigo Bernardes 

 

Last Updated ( Monday, 30 June 2014 04:21 )